quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Uns envelopes para os apanhados


Do arquipélago vizinho madeirense chega-nos a seguinte notícia: um ex-funcionário dos CTT da Madeira, acusado de se ter apropriado de cerca de 37 mil euros no processo de expedição de correspondência, confessou recentemente o crime em tribunal e manifestou-se arrependido, tendo já devolvido o valor. A pergunta que os nossos leitores fazem (e com toda a razão) é necessariamente a seguinte: onde é que esta história tem a ver com a ilha do Pico? Vamos então aos factos.

O caso remonta a setembro de 2020, quando o ex-funcionário desempenhava a função de supervisor operacional do centro de distribuição de correio da Penteada, no Funchal, e se deparou com três envelopes fechados numa mala com selo de segurança, que fora remetida dos Açores para a Madeira por engano.

Os envelopes — dois do Novo Banco contendo cerca de 16.900 euros e um do Santander Totta com 20.000 euros — tinham sido expedidos na ilha do Pico para São Miguel, mas por lapso foram recebidos na Madeira.

Ao arguido competia corrigir o erro, mas decidiu apropriar-se dos valores, numa área fora do alcance das câmaras de videovigilância, e depois fabricou duplicados dos registos, remetendo-os para fora da Região.

Durante a primeira sessão do julgamento, o arguido reforçou estar "completamente arrependido" e disse ter devolvido o dinheiro todo, sendo que 30.000 euros foram apreendidos numa busca ao seu carro e os restantes transferidos da sua conta para uma referência bancária indicada pelo tribunal; por outro lado, os CTT explicaram ao tribunal ter indemnizado as entidades bancárias com base nos valores por si declarados para efeitos de seguro, nomeadamente 500 euros por cada envelope remetido pelo Novo Banco e 250 euros pelo envelope do Santander Totta, pelo que o remanescente poderá, eventualmente, reverter para a Região Autónoma da Madeira.

Estes factos vêm, em parte, mostrar como funcionam alguns serviços, justificando até certas situações que acontecem no dia a dia. Primeiro, noticiar que uns envelopes iam da ilha montanha para a ilha verde e acabaram na Madeira quase que parece uma anedota... mas não é! Aliás, este talvez não tenha sido um caso isolado, e assim se compreenda melhor o porquê de uma vez uma carta expedida na Madalena com destino a São Roque do Pico tenha demorado 18 dias a chegar!!! Dito de outra forma, foram dezoito dias para uma carta percorrer (supostamente) apenas 20 km na mesma ilha!

Mas o insólito da correspondência que acabou na Madeira não se fica por aqui: as remetentes, neste caso entidades bancárias, declararam que os envelopes tinham muito menos dinheiro lá dentro do que verdadeiramente tinham, eventualmente para... pouparem dinheiro com o seguro! Feitas as contas, um banco declarou 16 vezes menos o valor real, enquanto que o outro declarou... 80 vezes menos! Resultado: no conjunto, estas entidades bancárias acabaram perdendo mais de 35 mil euros (35.650 €, para sermos exatos), perda essa que agora terão de compensar através de mais taxas e taxinhas que ultimamente proliferam no setor bancário!

Por fim, e como corolário deste conjunto de eventos bizarros, o que resta do valor não devolvido aos bancos possivelmente se converterá numa receita extraordinária para os cofres públicos madeirenses, ou seja, é quase como se o crime compensasse para o território onde é feito!

Em suma, o funcionário pode ter sido apanhado, mas esta história vai direitinha para os apanhados!

Haja saúde!

Post scriptum: Este artigo foi igualmente publicado na edição n.º 42.711 do 'Diário dos Açores', de 20 de fevereiro de 2022.

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